Assim que risquei o palito na lateral da caixa o cheiro do fósforo subiu pelas minhas narinas, agredindo meu corpo e fazendo meus olhos lacrimejarem. Retornei a minha prece, de joelhos agora, com a vela na altura dos olhos. Peguei meu terço e comecei a passar, conta a conta, reza a reza. Lá pela décima ave maria ou pai nosso não tinha mais idéia exata do que estava fazendo. Meus joelhos ardiam, minha voz sumira e já fazia as preces só na minha cabeça, além da luz do Sol que há muito já dera espaço para a Lua. A única coisa que não tinha mudado era o cheiro da cera da vela, que entrava pelo meu nariz, tirando o cheiro do fósforo e impregnando nas cartilagens aquele cheiro doce.
Eu vi a cera escorrer, lenta, do topo da vela. Assim que a chama a lambia, tocando suavemente sua constituição humilde, ela virava líquido e descia mais um pouco, dando espaço para mais cera que vinha abaixo. Pensei na beleza que aquela cena demonstrava e comecei a dedicar as preces em meu rosário para aquela vela, que deixara de ser simplesmente minha luz e meu guia naquele dia, tornando-se meu motivo de viver.
O malabarismo do fogo me fascinava e não conseguia mais focar em nada. As palavras que na minha mente ecoavam já não tinham mais significado, mais sentido de existir, e minha boca balbuciava e babava as orações há muito esquecidas. Fiquei preso no tempo, naquele tempo da vela que fazia a cera escorrer, e me emocionava mais e mais com aquele cheiro. O cheiro da cera da vela fazia meu corpo suar, minhas mãos tremerem e inevitavelmente o terço caiu no chão e lá o deixei, pois já estava preso nos fascínios da vela, que tal qual uma canção de sereia me fascinava com ele.
Creio ter desmaiado durante um tempo, e então me recordo de me acordarem. Eu estava ali deitado, no chão sujo da igreja, ao lado de muitos palitos que os fiéis usavam para acender e depois descartavam no chão de concreto. Eu os olhava e tentava pensar se algum deles era o meu. Acreditava ouvir vozes que soavam baixas na minha orelha e fui voltando a mim devagar. A voz feminina perguntava se eu estava bem, o que eu respondia que sim. Levantei-me e após responder mais algumas vezes que meu estado era perfeito, me deixaram quieto. Olhei para o altar e não achei mais minha vela. Ela já havia sido consumida. Agora em minha memória tenho o cheiro da cera daquela vela, e por mais que eu acende uma todos os dias para fazer minhas orações e rezar meu rosário, nenhuma vez meu nariz pode novamente contemplar cheiro como aquele.

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